segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Luz sobre o primeiro dia da Criação

Por Richard M. Davidson

Quando leio o relato da Criação em Gênesis, constato que no primeiro dia Deus disse: “Haja luz, e houve luz” (cap.1:3). Alguns versos mais adiante, contudo, leio que no quarto dia da semana da Criação, Deus chamou à existência “luminares no firmamento dos céus... para alumiar a Terra, para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas” (1:14-18). Como um cristão que crê na Bíblia, pergunto-me qual foi a fonte de luz que iluminou nosso planeta antes do quarto dia, se essa não provinha do Sol.

Havannah Beetson,
Boroko, Papua Nova-Guiné


Diversas explicações têm sido dadas. Uma das possibilidades é que a presença de Deus tenha sido a fonte de luz no primeiro dia da Criação. O Salmo 104 é um relato estilizado da história da Criação e nele se menciona que Deus cobriu-Se “de luz como de um vestido”, na parte que faz referência ao primeiro dia (verso 2). Durante os primeiros três dias, Deus poderia ter separado a luz das trevas (como Ele separou a luz das trevas no Mar Vermelho [Êxodo 14:19 e 20]). Sendo Deus a fonte de luz na primeira parte da semana, estaria Ele enfatizando a natureza teocêntrica da Criação (centralizada em Deus), não heliocêntrica (centrada no Sol). Isso preveniria qualquer tentação de adorar o Sol, atitude que poderia ser estimulada caso o astrorei fosse o primeiro luminar criado.

A segunda opção sugere que o Sol foi criado antes do quarto dia, mas tornouse visível nesse período ao ser removida a cobertura de nuvens que envolvia o mundo. Isso explicaria o ciclo tarde/ manhã antes do dia quarto. A construção gramatical hebraica de Gênesis 1:14 é diferente do modelo sintático dos ou- tros dias da Criação. O verso 14 diz literalmente: “que as luzes no firmamento do céu dividam o dia da noite” (e não “Haja luzes... para dividir..”., como na maioria das traduções), quem sabe sugerindo que as luzes já existiam antes do quarto dia. Os luminares “maior” e “menor”, bem como as estrelas, poderiam ter sido criados “no começo” (antes da semana da Criação, conforme o v. 1; conferir com João 1:1 a 3) e não no quarto dia. No quarto dia foi-lhes determinada a finalidade: “separar o dia da noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos”. Uma variante dessa opinião é que Sol e Lua foram trazidos à existência antes da semana da Criação, mas em seu estado tohu-bohu (“sem forma e vazio”) como a Terra (verso 2), e no quarto dia foram completados e postos em seu pleno estado de funcionamento (verso 16).

A terceira sugestão é que Deus criou as propriedades físicas da luz visível, e o restante do espectro eletromagnético no primeiro dia. Essa idéia, contudo, não é satisfatória se o Universo e a luz de outras galáxias forem mais velhos do que a vida na Terra. Diversas passagens das Escrituras sugerem que os corpos celestes e os seres inteligentes foram criados antes de a vida ter sido chamada à existência neste planeta (Jó 38:7; Ezequiel 28:15). Ademais, a sintaxe hebraica de Gênesis 1:16 não exige a criação das estrelas no quarto dia, porém sugere que elas já existiam.

A quarta sugestão é que a estrutura literária de Gênesis 1 ditou a ordem dos dias da Criação: o Sol, no quarto dia, para prover luz sobre o primeiro; pássaros e peixes no quinto dia para povoar o ar que dividiu as águas no segundo; animais no sexto dia para viverem sobre a terra seca e comerem a vegetação do terceiro. Contudo, a simetria parece invertida no primeiro e quarto dias, visto que a luz aparece antes de sua fonte física.

A quinta proposta sugere que a história da Criação em Gênesis 1 visava a dar destaque à religião monoteística de Israel, em contraste com o politeísmo das nações confinantes. A história deliberadamente alterou o relacionamento do Sol, da luz e do ciclo diário, para transmitir a idéia do poder do Deus Criador. Por exemplo, o termo traduzido como “luminar maior” foi usado em lugar do vocábulo hebraico designativo de Sol, para evitar qualquer confusão com o deus pagão do Sol. Todavia, tanto essa solução como a anterior dependem de uma compreensão figurada e não literal da narrativa da Criação.

Das opções acima, as duas primeiras parecem estar mais em harmonia com os dados bíblicos. Talvez seja possível uma combinação dessas posturas: O Sol e a Lua podem ter sido criados (pelo menos em seu estado “sem forma e vazio”) antes da semana da criação, mas o próprio Deus foi a origem da luz até o quarto dia. O autor de Gênesis 1 pretendia claramente que o relato da Criação fosse tido como literal. (Note que o título “estas são as origens/relato/história” é usado em Gênesis 2:4, bem como nas outras nove seções do Gênesis, indicando que o autor esperava que a Criação fosse tomada tão literalmente quanto o restante do Gênesis). Parte da sugestão quatro pode também ser verdadeira, visto sugerir ter Deus procedido artisticamente à Criação, de modo que os primeiros três dias formavam o tohu (“sem forma”) mencionado no verso 2, e os últimos três completavam o bohu (“vazio”) do verso 2. Parte da quinta sugestão é também verdadeira no sentido de que Deus criou as coisas de tal maneira (e fez Moisés redigir corretamente e em termos apropriados o relato da Criação) para servir como barreira contra o politeísmo das nações vizinhas de Seu povo.

Indiferentemente da explanação preferida, a história de Gênesis refuta o culto à Natureza, bem como a adoração ao tão popular deus-sol. A luz e o ciclo diário foram criados por Deus e são dEle dependentes. Posteriormente, na semana da Criação, o Senhor determinou responsabilidades no céu ao Sol e à Lua, do mesmo modo que transferiu para os seres humanos o encargo do gerenciamento da Terra, cobertura natural do homem e das criaturas que nela habitam. Em última análise, os céus, o mundo natural e qualquer capacidade humana para controlá-los ou compreendê- los bem são ainda totalmente dependentes de Deus, o qual tão-somente merece nossa adoração.

Richard M. Davidson (Ph.D. pela Andrews University) é autor de diversos artigos e livros, e diretor do Departamento de Velho Testamento do Seminário Teológico Adventista do Sétimo Dia da Andrews University, Berrien Springs, Michigan, EUA. E-mail: davidson@andrews.edu

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