À medida que as geleiras derretem, a terra sobe e o mar recua em Juneau
Cornelia Dean
De
Juneau, no Alasca
O aquecimento global tende a conjurar imagens de mares em alta e áreas costeiras ameaçadas. Mas em
Juneau, no Alasca, como em praticamente lugar algum do mundo, a mudança climática está tendo efeito oposto. À medida que as
geleiras derretem, lá, a terra sobe, e o mar recua.
Morgan
DeBoer, empresário do
setor de imóveis, abriu um campo de golfe com nove buracos na região da Baía
Glacier, em 1998; quando sua família chegou à região, 50 anos atrás, o terreno que hoje abriga a pista de golfe estava sob as águas. "As marés mais altas do alto chegavam, então, ao meio da minha pista", diz
DeBoer. Agora, com a linha de maré recuando ainda mais, ele está contemplando a possibilidade de acrescentar mais nove buracos e instalar um campo de golfe de tamanho regulamentar. "A terra continua a subir".
As questões geológicas envolvidas são complexas, mas se pode resumi-las da seguinte forma: liberta da pressão de
bilhões de toneladas de
geleiras, a terra sobe mais ou menos como uma almofada retoma sua forma original quando alguém se levanta do sofá. A terra tem subido tão rápido que a alta dos mares - um produto
onipresente do aquecimento global não consegue acompanhar o ritmo, por aqui. Como resultado, o nível relativo do mar está caindo em ritmo "dos mais altos já registrados", de acordo com um relatório preparado em 2007 por um painel de especialistas convocado por Bruce Botelho, o prefeito de
Juneau.
A
Groenlândia e alguns outros lugares experimentaram efeitos semelhantes causado pelo degelo generalizado iniciado mais de 200 anos atrás, dizem os geólogos. Mas eles acrescentam que os efeitos são mais perceptíveis aqui em
Juneau e nas
cercanias, onde o índice de recuo das
geleiras é da ordem de 10 m ao ano ou mais.
Como resultado, a região enfrenta desafios ambientais
incomuns. À medida que o nível do mar cai com relação à terra, os lençóis
aqüíferos também caem e os riachos e terras alagadas secam. Terra emerge da água e substitui os alagadiços, o que altera os limites de terrenos e faz com que as pessoas passem a discutir quem é proprietário dessas novas áreas e como elas deveriam ser usadas.
E a água que o derretimento das
geleiras gera transporte à costa os sedimentos que as
geleiras acumularam durante
milênios e eles turvam as águas marinhas e obstruem canais até recentemente navegáveis. Algumas décadas atrás, barcos de grande porte navegavam regularmente pelo Canal de
Gastineau, que unia o centro de
Juneau à Ilha Douglas, chegando à Baía
Auke, um porto cerca de 15 km a noroeste.
Hoje, boa parte do canal é um lodaçal cujo fundo fica exposto na maré baixa. "Há tanto sedimento vindo da geleira de
Mendenhall e dos rios que o canal está basicamente obstruído", diz Bruce
Molnia, geólogo do Serviço de Levantamento Geológico dos Estados Unidos, que estuda as
geléias do Alasca. As pessoas já conseguem atravessar o canal a pé, na maré baixa ¿ou correr através dele, como na
Mendenhall Mud Run. Na maré baixa, as bóias de navegação repousam sobre o lodo.
Por fim, quando a terra continuar subindo e o canal se obstruir de todo, a Ilha Douglas terminará conectada ao continente por uma faixa de terra, diz
Eran Hood,
hidrologista da Universidade do Alasca Sudeste e autor de um relatório sobre o impacto da mudança climática sobre
Juneau, publicado em 2007. Quando isso acontecer, disse
Hood, um refúgio de 1,6 mil hectares para a fauna de terras
úmidas estará perdido. "Não haverá substituição daqueles alagadiços", ele diz.
Em alguns pontos ao longo da costa, a mudança foi tão rápida que os praticantes de caiaque cujas cartas de navegação não estão muito
atualizadas podem ter de carregar os barcos nas costas para passar por escolhos altos e secos a ponto de permitir a presença de grama ou até mesmo de pequenas árvores. Em
Juneau e na região vizinha, "pode-se andar e ver o que era o fundo do mar se transformando em pradaria, que pode vir a ser uma floresta no futuro", afirmou
Hood.
As mudanças topográficas ameaçam importantes ecossistemas e espécies vitais para a economia local, como o salmão. "A base da economia de nossa região são as espécies de salmão e seu retorno é qual será o impacto quando eles retornarem e as
correntezas tiverem secado?", questiona Botelho, que nasceu e viveu a vida inteira em
Juneau. "O salmão define a nossa identidade como região, define quem somos nós".
Ele disse que não imaginava que houvesse espécies em risco iminente, mas acrescentou que "qualquer pessoa que esteja acompanhando a mudança climática certamente sabe que existem riscos, talvez até ainda mais graves".
Hood disse que muita gente em
Juneau quer lutar para tentar uma via aquática conhecida como
Duck Creek, que serve para a desova dos salmões. Mas os pequenos riachos como esse "parecem estar secando", disse.
A terra em
Juneau subiu em até 10 m com relação ao mar, em pouco mais de 200 anos, de acordo com relatório de 2007. E deve continuar a subir à medida que o aquecimento global se acelera, por até um metro adicional até 2010, de acordo com os cientistas.
A elevação é alimentada ainda mais pelo movimento das placas
tectônicas que formam a crosta da Terra. À medida que a placa do Pacífico pressiona para cima a da América do Norte,
Juneau e a Floresta Nacional
Tongass, uma área de relevo acentuado em torno da cidade, tendem a subir ainda mais. "Quando combinamos a
ação tectônica ao reajuste glacial, temos um ritmo de elevação quase incompreensível", disse
Molnia.
Tradução: Paulo Migliacci MEFonte:
Site Terra, com informações do
The New York Times----------------------------------------------------------------------------Nota: Muitos vão alegar que o derretimento do gelo nos
pólos e áreas próximas faz parte do ciclo natural da Terra, com base na teoria das Eras glaciais. Mas cada vez está mais claro que isso é parte dos resultados da má gestão ambiental exercida pelo homem, a partir das duas Revoluções Industriais principalmente, causando o aquecimento global. Ou pelo menos, é o homem que está acelerando o processo de aquecimento global de forma acentuada.